quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Uma notável coleção de objetos

Terminei o segundo volume do Quarto Vermelho ainda nas férias, no mar do Ceará. O próprio tradutor avisa que é o volume das coisas belas, em que Xuequin se diverte descrevendo roupas, móveis, jóias e mesmo objetos de cozinha. São meras superfícies, contudo. Suas páginas vão insinuando, aqui e ali, que o fim está próximo, apesar dos concursos de poesia, das visitas de parentes vindos do Sul e dos donativos imperiais. Jia She informa o leitor que o dinheiro está acabando ou que vai acabar em algum momento, enquanto a matriarca ordena festas e jardins.

Acho que jamais esquecerei a descrição da festa do Ano Novo, quando, em ondas, por gerações, todos vão se curvando diante da Senhora Jia, uma exibição de piedade filial confuciana e de tradições manchus. O tempo está passando, é ano novo.

Q

O título da coletânea organizada pelos professores Jean Michel Salanskis (pesquisador do CNRS) e Hourya Sinaceur (diretora de pesquisa no CNRS) é bem adequado: Le Labyrithe du Continu (Springer-Verlag, Paris, 1992). Poucas idéias são, para mim, mais perturbadoras do que a reta dos números reais. Seus paradoxos são conhecidos há mais de um século, mas a pergunta "qual o primeiro número maior que 1?" me fascina.

Ontem ia lendo um artigo sobre Leibniz, na verdade, sobre a notação que Leibniz sugere para o tratamento matemático do infinito. ("Leibniz´ Principle and Omega Calculus", D. Laugwitz, professor em Darmstadt). O artigo é menos interessante do que a sugestão de Leibniz: o infinito e o infinitesimal são apenas ficções convenientes. Podem ser substituídos por quantidades definidas para se obter a precisão que se desejar no cálculo. É evidente que a "precisão que se desejar" não parece filosoficamente sólida, mas o argumento é poderoso: "se alguém duvida de seus resultados, deve dar um exemplo".

Por isso sigo achando que a reta dos reais é um fonte inesgotável de idéias.