quarta-feira, 21 de setembro de 2016

春の雪

Não é difícil perceber que Neve de Primavera, o primeiro romance da tetralogia final de Mishima, publicado entre 1965 e 1969, é um romance ocidental, de evidentes traços ingleses. Se a leitura não tem outra intenção que não a trama de Kiyoaki, Satoko e Honda, o tédio fica à espreita. As convenções da literatura romântica européia já eram soníferas na primeira metade do século XX, no Japão da segunda metade, jovens que morrem de doenças quando apaixonados, cartas secretas, encontros furtivos em passeios proibidos parecem saídos de enredos de filmes pornográficos que pretendem ser sofisticados, os célebres "pornôs com história". Assumindo, contudo, outro ponto de vista, supondo que Mishima está apenas manipulando uma tradição, repetindo clichês como faria um intelectual japonês apenas familiarizado com a literatura ocidental, o que resta dessa neve na Primavera? Suspeito que o propósito final da obra é realçar, de um lado, o caráter obsoleto das paixões ridículas vividas por Kiyoaki. O pai as despreza e rapidamente organiza um aborto expediente para Satoko. Seu amigo Honda aceita com prazer o distanciamento de suas loucuras e ajuda, ao final, como ajudaria uma pessoa doente. De outro, confrontado com a inanidade última dessas paixões, sua completa inutilidade prática, o desperdício de vida que implica, Mishima levemente se pergunta de onde vem tal coisa. Aí sim, leio alguma coisa de original. O romantismo ocidental vive de pobres mitologias rousseaunianas; Mishima começa a refletir sobre esses eventos no contexto dos ciclos do sofrimento e reencarnação do budismo e do hinduísmo. Em Neve, a coisa apenas floreia o texto, mas sabemos que ela será desenvolvida mais à frente. Se a vida é eterna em seus ciclos, nos veremos de novo e o isolamento estóico de Honda será desafiado outras vezes. Podemos morrer, portanto.



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