segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Tratado da Esfera

Há tempos devia a mim mesmo uma leitura completa de um tratado da esfera. Como se sabe, são textos medievais que misturam um pouco de astronomia, um pouco de geografia, bem pouca matemática e mitologias de todo o tipo. É singular que raramente apresentem alguma evidência de um estudo empírico do céu ou do planeta. Quase sempre é um gigantesco acúmulo de informações livrescas e duvido que seus autores realmente dominassem a matemática do Almagesto. De todo modo, os tratados da esfera são um exemplo precioso de pessoas buscando entender de forma rudimentar uma realidade de grande complexidade e sua leitura ensina muito sobre as estratégias intelectuais envolvidas nesse processo. Elas não mudam muito com o passar do tempo. Como você pode, afinal, parecer que entende algo que você não entende?

O latim do Tratado da Esfera de Bartolomeu de Parma, um astrônomo e professor em Bolonha, traz a marca do ano de redação, 1299, e é transparente como o italiano. O texto é cortesia do Bullettino do príncipe Boncompagni, um amigo dos tempos da Biblioteca Nacional, que guarda várias de suas obras.

O Tratado é uma obra curiosa, pois mistura elementos da astrologia e da teologia cristã com elementos que hoje diríamos científicos, ao menos para os tempos. Há observações divertidas:

"Et a vera forma spere circulus factus in terra est tante virtutis, quod demones convocati ad circulum per aliquam fortem coniurationem, non sunt ausi introire si sint extra, nec exire si sunt intra".

Descreve também de forma canônica os círculos polares, os trópicos e o equador, com os graus herdados da Antiguidade. Reflete sobre a temperatura relativa e faz mesmo uma menção à Índia, que não era mais possível ignorar. O peso da astrologia aumenta com o passar das páginas e a imagem do homem reflete a imagem do céu. Bartolomeu não teme escrever:

"Tangere membrum ferro frigido vel calido, luna existente in signo illius membri, periculosum est et timendumm vel sapienter precavendum".

Não falta certa poesia ao capítulo sobre a Via Láctea (De circulo spere qui dicitur gallaxia). Vamos lendo, portanto.

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